De acordo com organismos como o FMI, o Grupo de Ação Financeira contra a Lavagem de dinheiro e o Financiamento do Terrorismo (GAFI) e o Departamento de Estado dos Estados Unidos, o montante de dinheiro “lavado” no mundo varia entre 2% a 5% do PIB global, algo como US$ 1 trilhão a US$ 3 trilhões por ano. No Brasil, a lavagem de dinheiro movimenta cerca de R$ 6 bilhões por ano, de acordo com recente estimativa do Banco Central (BC). Contudo, segundo estimativas do Sindicato Nacional dos Procuradores da Fazenda (Sinprofaz), R$ 339 bilhões foram sonegados em 2016, sendo que, desse montante, R$ 271 bilhões, 80% do total, teriam sido sonegados através de mecanismos de lavagem de dinheiro.
Os impactos dessas cifras na economia global e a crescente preocupação com os crimes de natureza grave, que geram o maior volume de recursos passíveis de “lavagem”, estão fazendo com que as regras de prevenção e combate à lavagem de dinheiro se tornem cada vez mais rígidas.
No Brasil, assim como em qualquer parte do mundo, o sistema financeiro exerce papel fundamental nos esforços de combate ao crime de lavagem de dinheiro, e essa corresponsabilidade está prevista, inclusive, nas recomendações do GAFI, cumpridas atualmente por cerca de 190 países considerados cooperantes. Todavia, são recorrentes nos Estados Unidos e na Europa, e relativamente comuns no Brasil, os escândalos envolvendo instituições financeiras acusadas de leniência e até mesmo conivência com o crime de lavagem de dinheiro.
Incompetência, leniência ou conivência?
A pergunta que se faz é: seria possível evitar os escândalos, caso essas instituições contassem com áreas e equipes especializadas e capacitadas para detectar e reportar as suspeitas? A resposta seria sim, contudo, não basta apenas contar com estruturas organizacionais formalizadas e profissionais experientes e bem treinados para evitar o uso de uma instituição financeira com o fim de lavar dinheiro.
O sucesso de um programa de prevenção à lavagem de dinheiro depende, prioritariamente, do comprometimento da alta administração, desde os membros do conselho de administração, o CEO e os demais executivos do alto escalão, até alcançar os gestores das áreas consideradas mais sensíveis. Havendo esse compromisso efetivo, amplamente disseminado para todos os colaboradores da instituição, será possível assegurar a efetividade das políticas, normas, procedimentos e controles internos implementados.
Se não houver o comprometimento da alta administração, cujos integrantes são os principais responsáveis por dar o exemplo e cobrar uma postura de legalidade de todos os colaboradores, pouco adianta elaborar uma política de prevenção à lavagem de dinheiro que pareça confiável apenas no papel.
A importância das áreas de prevenção à lavagem de dinheiro
As estruturas organizacionais de prevenção à lavagem de dinheiro são as mais variadas possíveis e não existe uma regra rígida definida pelas autarquias em relação à formatação dessas áreas. A Circular BC 3.654/13, que deu nova redação a artigos da Circular BC 3.461/09, estabelece em seu artigo 1º, por exemplo, que as instituições financeiras devem implementar políticas, procedimentos e controles internos compatíveis com o seu porte e volume de operações, mas não define, nos referidos normativos ou em outro qualquer, qual deve ser a subordinação dessa área.
Como já ressaltado que o sucesso de um programa de prevenção à lavagem de dinheiro depende, prioritariamente, do comprometimento da alta administração e, visando assegurar a independência e autonomia dessa área, que deve estar imune a conflitos de interesses, a prática observada tem sido a subordinação dessa área diretamente à presidência da instituição ou, em alguns casos, ao vice-presidente ou diretor responsável pela gestão de riscos.
O fato é que as áreas de prevenção à lavagem de dinheiro tendem a crescer no sistema financeiro e também em outros segmentos considerados sensíveis ao crime e, por isso, os profissionais que atuam nessas áreas precisam ser capacitados e requerem alto nível de especialização.
Reconhecimento ou castigo?
Entre os profissionais que atuam nessas áreas, são relativamente comuns os relatos de insatisfação. Em geral, essa sensação é atribuída a certa falta de prestígio da atividade, aos constantes conflitos com as áreas de negócios e produtos, à ausência ou insuficiência dos investimentos em pessoas e sistemas, a limitação dos acessos às informações e documentos indispensáveis para as análises e, inclusive, a desconsideração dos pareceres e alertas sobre operações e situações atípicas ou suspeitas passíveis de comunicação ao Conselho de Controle de Atividades Financeiras (COAF).
Em 1998, assim que foi sancionada a Lei 9.613 e o Banco Central editou os seus primeiros normativos sobre o tema, vários colegas que trabalhavam comigo, inclusive eu, nos candidatamos para trabalhar com prevenção à lavagem de dinheiro, pois sabíamos que a atividade era desafiadora e poderia servir como uma importante oportunidade de alavancagem das nossas carreiras. Atualmente, é muito comum eu ouvir desabafos de profissionais alocados nessas áreas, pois, na percepção de alguns deles, trabalhar com prevenção à lavagem de dinheiro é uma espécie de castigo aplicado aos profissionais que não atenderam às expectativas em outras áreas.
Que formação precisa ter um profissional de prevenção à lavagem de dinheiro?
Quando se tratam de profissionais do mercado financeiro, é desejável que os candidatos a atuar nas áreas de prevenção à lavagem de dinheiro tenham formação em disciplinas como Ciências Contábeis, Economia, Administração de Empresas, Engenharia ou Direito. Contudo, caso esses candidatos tenham vasto conhecimento e experiência na área financeira, esses pré-requisitos tornam-se secundários.
Ao longo da minha carreira, já atuei com excelentes profissionais em áreas de prevenção à lavagem de dinheiro. Alguns deles tinham formação em Matemática, Física, Ciência da Computação, Comércio Exterior, Secretariado Executivo, Psicologia e até em Publicidade e Propaganda.
Quais são as opções para especialização na área?
Se o objetivo é fazer carreira na área de prevenção à lavagem de dinheiro, torna-se indispensável a realização de alguns cursos de formação complementar e especialização.
Como ainda não há um curso específico de graduação em compliance ou em prevenção à lavagem de dinheiro, bem como é pouco efetiva a realização de um novo curso de graduação em áreas afins, existem diversos cursos de especialização, pós-graduação e MBA nas áreas de Finanças, Gestão de Riscos, Compliance e até mesmo de Prevenção à Lavagem de Dinheiro, os quais são muito efetivos e complementam de forma satisfatória a formação desejada para o profissional que atua ou deseja atuar nessa área.
Participações em conferências e seminários temáticos também ajudam o profissional de prevenção à lavagem de dinheiro a se manter informado sobre a legislação, a regulamentação e as melhores práticas e tendências do mercado, além de se constituírem em inestimáveis fontes de networking para a alavancagem da carreira desse profissional.