Certo dia, uma pintura avaliada em US$ 100 chegou ao aeroporto internacional JFK, em Nova Iorque, e foi liberada sem qualquer restrição, uma vez que, nos Estados Unidos, as mercadorias cotadas em menos de U$ 200 não necessitam de documentação ou pagamento de impostos. Entretanto, o artefato artístico descoberto na alfândega era, na verdade, a obra “Hannibal”, do artista Jean-Michel Basquiat, avaliada em US$ 8 milhões.
A pintura fazia parte do acervo do banqueiro Edemar Cid Ferreira e havia sido enviada para os Estados Unidos por meio de um esquema para tentar lavar mais de US$ 50 milhões obtidos ilegalmente pelo Banco Santos. Isso aconteceu em 2007 e, até hoje, é um dos exemplos mais emblemáticos sobre a utilização das obras de arte em esquemas de lavagem de dinheiro. A obra havia sido comprada em 2004 pelo valor de US$ 1 milhão. Ao pedir falência, Ferreira possuía mais de 1.200 peças de arte e tentou ocultar várias delas enviando-as para os Estados Unidos.
O mercado de obras de arte é livre e muitos negócios são realizados de forma privada ou até mesmo de forma anônima. Esta dinâmica não é exclusividade do mercado brasileiro. O mercado mundial de arte não é regulamentado e, tampouco, existem padrões acerca dos valores transacionados. Isso se deve a questões técnicas e, sobretudo, a questões subjetivas usadas para determinar o valor de uma obra de arte. Leva-se em consideração o autor, o período, a técnica empregada e a conservação da peça. Mas um dos pontos mais subjetivos nesta análise é a expectativa do comprador de possuir algo raro. Esta sensação também tem um preço computado no valor total da obra.
O monitoramento do comércio de arte
Por ser um esquema de fácil organização, a compra e a venda de obras de arte foi utilizada para ocultar os valores desviados da Petrobras, descobertos nas investigações da Operação Lava Jato. A Polícia Federal já apreendeu 272 obras de arte que estão no Museu Oscar Niemeyer, em Curitiba. Peritos ainda vão avaliar esses artefatos artísticos, mas se estima que um dos quadros possa valer mais de R$ 1 milhão. A suspeita é de que as obras eram compradas com dinheiro de propina e ficavam armazenadas em galerias especializadas para não levantar suspeitas sobre a origem do dinheiro e do seu dono.
Após essas apreensões, o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) anunciou que vai monitorar o comércio de arte para evitar a lavagem de dinheiro e o financiamento ao terrorismo. A nova portaria deve determinar que vendedores tenham conhecimento completo sobre quem está comprando as obras de arte.
A expectativa do instituto é que os negociadores possam identificar os clientes e demais envolvidos na operação. Além disso, a ideia é obter informações sobre o propósito e a natureza das relações de negócios e identificar os beneficiários finais das operações. A portaria também indica que os comerciantes de arte devem implementar códigos de conduta, capacitar seus colaboradores e verificar periodicamente a eficácia das políticas adotadas.
Assim sendo, as atividades suspeitas deverão ser comunicadas ao Conselho de Controle de Atividades Financeiras (COAF) no prazo determinado pela lei. Desse modo, todas as operações de um mesmo cliente que envolvam pagamentos ou recebimentos em espécie de valor igual ou superior a R$ 10 mil também devem ser comunicadas ao COAF.
A iniciativa do Iphan é um importante avanço para a prevenção aos crimes de lavagem de dinheiro. A portaria vai organizar as relações de negócios nas esferas do vendedor e do comprador.
O desembargador Fausto Martin De Sanctis pesquisou, nos Estados Unidos, como o mercado de arte é usado mundialmente para lavar dinheiro. O trabalho resultou no livro Lavagem de Dinheiro Por Meio de Obras de Arte – Uma Perspectiva Judicial Criminal, lançado em 2013. Na obra, o autor dimensionou o problema no mundo e mostrou como brechas legislativas e institucionais ainda proporcionam mobilidade e dinamicidade a esta prática criminosa.