Mesmo após a deflagração de importantes operações como a Lava Jato e Zelotes, além dos escândalos de escala global como SwissLeaks e Panama Papers, alguns profissionais do mercado financeiro que atuam na prevenção e no combate ao crime de lavagem de dinheiro ainda questionam sobre a obrigatoriedade do monitoramento da mídia na execução das suas atividades. “Onde está escrito na lei ou na regulamentação das autarquias que eu preciso verificar as informações divulgadas na mídia sobre os nossos clientes?”, indagam os mais efusivos.
Cabe ressaltar, primeiramente, que muito do que é exigido nas fiscalizações do Banco Central e das demais autarquias não consta explicitamente na regulamentação de cada segmento. São as chamadas “melhores práticas de mercado”, um fenômeno que tem por objetivo preencher as lacunas ou mesmo gerar uma espécie de “jurisprudência” para questões não contempladas ou tratadas de forma pouco objetiva pelo legislador e pelas autarquias que regulam o sistema financeiro.
Clipping de notícias
Voltando no tempo, mais especificamente em meados da década de 1980, a atividade de clipping de notícias era realizada pelas assessorias de imprensa das instituições financeiras, que elaboravam e enviavam periodicamente, ao executivo de Marketing, dossiês com os recortes dos principais jornais e revistas contendo notícias sobre a própria instituição, anúncios dos seus produtos e serviços e questões relacionadas às tendências de mercado e às ações da concorrência. Essa prática, ainda vigente, faz parte da chamada “inteligência competitiva”.
Com o passar do tempo, surgiram empresas especializadas na execução dessas atividades, as quais se encarregam de elaborar e enviar esses dossiês de acordo com o escopo e a periodicidade definida pelo cliente, inclusive com a disponibilização, através de mídias digitais, de resultados de estudos mercadológicos. Portanto, essa é a essência da atividade de clipping de notícias.
No que se refere ao tema “lavagem de dinheiro”, de fato não há nas Leis 9.613/98 ou 12.683/12, nem tampouco nas regulamentações do Banco Central, CVM, Susep, Coaf ou outra autarquia qualquer menção aos termos “clipping de notícias”, “mídia” ou “imprensa”, e talvez seja essa a origem dos constantes questionamentos dos profissionais que atuam na gestão dos riscos corporativos, seja para justificar a ausência do monitoramento das mídias após receber algum apontamento durante uma fiscalização, para convencer os executivos a disponibilizarem os recursos necessários para viabilizar a devida diligência dos clientes ou, em alguns casos, para se eximir de mais esta responsabilidade.
Conheça seu Cliente
“Dar um Google”, “fazer a mídia”, “clipping de notícias”, “Customer Due Diligence (CDD)” e “negative news run” são expressões comuns a essa atividade; porém, independentemente do termo utilizado, o fato é que essa ação se constitui num dos principais pilares do chamado programa “Conheça seu Cliente” – do inglês “Know Your Customer (KYC)” – ou seja, a eficácia das atividades de prevenção e combate à lavagem de dinheiro e seus crimes antecedentes está diretamente relacionada à avaliação da idoneidade do cliente e das pessoas com as quais ele se relaciona, e não apenas à verificação da compatibilidade das suas operações e da existência de eventuais restrições financeiras.
Em um passado recente – mas que ainda reflete a realidade de algumas instituições do mercado financeiro – quando alguém resolvia iniciar uma relação de negócios com um banco, uma corretora ou uma seguradora, bastava apenas obter as informações e a documentação exigida pela regulamentação e realizar uma rápida consulta aos órgãos de proteção ao crédito. E, não havendo qualquer apontamento cadastral como cheques sem fundos, pendências financeiras ou protestos em nome do candidato a cliente, instantaneamente era estendido o grande “tapete vermelho” para que ele pudesse desfrutar de todos os recursos que o mercado financeiro oferece.
Entretanto, nos dias atuais, para conceder tal honraria, é preciso que a instituição financeira obtenha todas as informações e documentos exigidos pela regulamentação, inclusive com a comprovação de renda ou faturamento e patrimônio, confirme tais informações junto às respectivas fontes e obtenha uma declaração de propósitos do candidato a cliente na sua relação de negócios com a instituição, visando a posterior verificação da compatibilidade entre o discurso e a prática caso ele receba o “sinal verde” para operar nos moldes propostos.
Em resumo, é preciso conhecer a idoneidade do futuro cliente e as suas reais intenções, para que seja possível a realização de uma prévia avaliação do nível de risco que ele representa, mesmo antes de iniciada uma nova relação de negócios.
Risco reputacional
Todos nós temos consciência da importância da mídia nos tempos pós-ditadura. É a chamada imprensa livre, que tem sido implacável na divulgação de fatos que envolvam a atuação de grupos criminosos da mais variada estirpe, desde aqueles que atuam no tráfico de drogas, no contrabando ou em estelionatos e crimes cibernéticos, até os “honoráveis bandidos” que se valem do cargo e do poder que exercem para viabilizar grandes esquemas de corrupção.
Muitas vezes, a partir de denúncias veiculadas pela mídia, ações de investigação são iniciadas pelo Ministério Público e pela Polícia Federal, CPIs são instaladas, criminosos são presos, ministros são demitidos e políticos são cassados e condenados.
Diante desse cenário, é impossível ignorar que a mídia funciona como um excelente instrumento para se chegar a uma conclusão sobre a idoneidade do cliente e avaliar o eventual risco que ele possa representar para a instituição, seja o risco de imagem – pois nenhuma instituição deseja ter o seu nome associado a um criminoso –, ou o próprio risco da ocorrência do crime de lavagem de dinheiro, lembrando que, em ambas as hipóteses, as consequências podem ser desastrosas.
Bureaus reputacionais
Feitas as ponderações, é hora de esclarecer que essa prática, bastante difundida nos mercados financeiros dos Estados Unidos e Europa, pode ser executada de forma extremamente rápida e eficaz, bastando para tanto contar com os serviços de empresas especializadas na prestação desse tipo de serviço, que chegam a monitorar, em tempo real, dezenas de milhares de fontes de notícias, e cuja principal tarefa é a de fornecer informações objetivas e assertivas sobre pessoas e organizações que possuam desabonos em sua reputação. São os chamados “bureaus reputacionais”.
Quando a mídia pode ser útil?
De acordo com as melhores práticas de mercado, a atividade de acompanhamento da mídia pode ser executada em dois momentos distintos:
a) Na análise do candidato a cliente (Etapa da Aceitação)
Não havendo informações desabonadoras sobre ele, aí sim é possível estender o tradicional “tapete vermelho”, mas, agora, mantendo o novo cliente sob um monitoramento diferenciado, pelo menos nos seis primeiros meses de relacionamento, visando confirmar se as suas declaradas intenções realmente se transformam em ações.
Caso sejam identificadas informações desabonadoras sobre ele, será necessário responder às seguintes questões:
1. As informações veiculadas são de natureza grave ou se tratam de delitos de menor relevância?
2. O retorno esperado nessa relação de negócios justifica a aceitação do cliente?
3. A instituição está disposta a operar com o cliente mesmo correndo o risco de sofrer algum dano em sua reputação?
b) No acompanhamento do cliente (Etapa do Monitoramento)
Realizar continuadas pesquisas que podem ocorrer com periodicidade mensal, quinzenal e até diária, dependendo dos recursos humanos e tecnológicos disponíveis e, não havendo informações desabonadoras sobre ele, é possível manter o relacionamento comercial sem restrições. Algumas instituições costumam denominar essas ações como “sanitização” ou “higienização” da base de clientes. O Banco Central, por sua vez, aborda a questão se referindo aos processos de “batimento” de bases de dados.
Caso sejam identificadas informações desabonadoras sobre algum cliente, será necessário responder às seguintes questões:
1. As informações veiculadas são de natureza grave ou se tratam de delitos de menor relevância?
2. As operações financeiras do cliente indicam ou evidenciam a ocorrência do crime de lavagem de dinheiro?
3. Existem operações ou situações passíveis de comunicação ao Coaf, conforme estabelecido na legislação e na regulamentação vigentes?
4. O retorno histórico dessa relação de negócios justifica a manutenção do cliente?
5. A instituição está disposta a continuar operando com o cliente mesmo correndo o risco de sofrer algum dano em sua reputação?
O fato é que, independentemente de ser ou não um procedimento obrigatório por lei e pela regulamentação vigente, o uso da mídia nas ações de prevenção e combate ao crime de lavagem de dinheiro representa uma atitude ética perante os órgãos de fiscalização, os acionistas, os clientes e a própria sociedade, pois esses esforços resultam na sustentabilidade da própria instituição, bem como na preservação de um sistema financeiro íntegro e saudável.