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É possível lavar dinheiro através do mercado segurador?

Diante da crescente visibilidade dada ao crime de lavagem de dinheiro no Brasil, muito se discute sobre a persecução da atividade ilícita, principalmente por intermédio dos bancos. Porém, o mercado financeiro envolve diferentes instituições e segmentos, que são cada vez mais procurados por lavadores de dinheiro e, certamente, as seguradoras não estão imunes às investidas dos criminosos.

O crime de lavagem de dinheiro decorre de um conjunto de mecanismos ilícitos que objetivam ocultar ou dissimular a natureza, a origem, a localização, a disposição, a movimentação ou a propriedade de bens, direitos ou valores provenientes, direta ou indiretamente, de infração penal, conforme prevê a Lei 12.683/12, que modificou a legislação anterior (Lei 9.613/98).

Somente no mês de janeiro deste ano, o mercado de seguros realizou cerca de 5 mil comunicações ao Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf). Em 2016, foram realizadas mais de 53 mil comunicações com base nos enquadramentos previstos na Circular Susep 445/12. Tratam-se de comunicações compulsórias, realizadas com base em faixas de valores estabelecidas para os diversos ramos do seguro, ou comunicações que decorram de suspeitas ou atipicidades constatadas após a realização de monitoramentos e análises promovidas pelas equipes de Compliance das seguradoras.

De acordo com as estatísticas de inteligência divulgadas pelo Coaf, o mercado de seguros está entre os que mais enviam comunicações. São mais de 3 milhões de comunicações já contabilizadas pelo órgão.

Além disso, o setor de seguros registrou um crescimento nominal de 9,2% no volume de comunicações em 2016, na comparação com o ano de 2015, de acordo com os dados divulgados pela Susep e compilados pela Confederação Nacional das Empresas de Seguros Gerais, Previdência Privada e Vida, Saúde Suplementar e Capitalização (CNseg). Esses dados equivalem a um volume de arrecadação de R$ 239,3 bilhões e dizem respeito ao desempenho das carteiras de seguros gerais, vida, previdência complementar aberta e capitalização.

Mercado em crescimento

O crescimento do mercado segurador no país deve ser visto de forma positiva; todavia, esse desenvolvimento serve, também, como alerta para a Susep e os profissionais que atuam na gestão dos riscos corporativos.

Dado o aumento no volume de operações, as seguradoras devem estar atentas à mitigação dos riscos e às melhores práticas de PLD-CFT, como a adequada aplicação da política “Conheça seu cliente”, expressão derivada do inglês “Know Your Customer (KYC)”. Portanto, é sempre importante lembrar que, se a seguradora não sabe com quem está fazendo negócios, ela estará mais propensa ao risco de ser responsabilizada e penalizada por eventuais atividades ilícitas detectadas, além do risco reputacional envolvido, cujas consequências costumam ser mais drásticas do que os prejuízos decorrentes de condenações ao pagamento de multas administrativas.

É preciso aperfeiçoar os controles internos

Mesmo posicionado entre os setores que mais enviam comunicações ao Coaf, o mercado segurador ainda tem um longo caminho a percorrer, pois a maior parte das comunicações enviadas se refere ao Grupo 1 previsto na Circular Susep 445/12, ou seja, são comunicações automáticas, baseadas em valores de prêmios ou resgates, e que não decorrem necessariamente de suspeitas ou atipicidades fundamentadas. Essas comunicações são feitas, inclusive, através de sistemas automatizados e sem interferência ou análise de risco. Portanto, as atenções devem estar voltadas para as comunicações do Grupo 2, pois elas dependem de controles internos mais sofisticados e de equipes capazes de identificar e reportar manobras que objetivem qualquer tipo de burla ou dissimulação, e são essas operações e situações que representam risco potencial.

No ano de 2005, o Grupo de Ação Financeira Contra a Lavagem de Dinheiro – Financial Action Task Force on Money Laundering (GAFI/FATF) produziu o relatório “Lavagem de Dinheiro e Tipologias de Financiamento de Terroristas”.

No documento, o GAFI/FATF alertava sobre a “enorme falta de conscientização no setor de seguros quanto ao crime de lavagem de dinheiro”, já que havia inúmeros mecanismos utilizados por criminosos para burlar as regulamentações do segmento.

Além disso, o GAFI/FATF apontava diversas tipologias relacionadas às práticas de lavagem de dinheiro em seguradoras e exemplificava casos, como os resgates antecipados de apólices e os pagamentos em espécie na contratação do seguro, entre outras.

“O mercado segurador é um setor atraente para os lavadores de dinheiro que procuram inserir fundos no mercado financeiro, pois lhes dará um retorno confiável e limpo de fundos ilícitos”, dizia parte do relatório.

O relatório completo em inglês pode ser acessado aqui.

A visão do regulador

Segundo um porta-voz de gabinete da Superintendência de Seguros Privados (Susep), o mercado segurador está, de modo geral, atento ao crime de lavagem de dinheiro. “As seguradoras têm agido com o necessário rigor nessa questão, seguindo as orientações da Susep e as leis vigentes. Há um controle muito eficaz na prevenção da lavagem de dinheiro, até pelo amplo marco regulatório que trata da matéria. Além disso, nós fiscalizamos, particularmente no que se refere ao cumprimento dos dispositivos estabelecidos pela Circular 445/12 e, mais especificamente, ao artigo 13”, explicou.

A Susep segue e orienta as empresas do mercado supervisionado a ficarem atentas ao marco regulatório que trata da prevenção à lavagem de dinheiro e também do combate ao financiamento do terrorismo (PLD-CFT), particularmente aos dispositivos da Lei 9.613/98, alterada pela Lei 12.683/12; Lei 13.170/15 e Lei 13.260/16.

A Assessoria de Imprensa da Susep informou, por sua vez, que o Conselho Nacional de Seguros Privados (CNSP) editou algumas normas que tratam do assunto, incluindo a Resolução CNSP 97/02, que regula o processo administrativo e estabelece critérios de julgamento a serem adotados para aplicação de sanções às sociedades seguradoras, de capitalização, às entidades abertas de previdência complementar e às corretoras de seguros, por descumprimento ao disposto nos arts. 10 e 11 da Lei 9.613/98; a Circular Susep 445/12, que dispõe sobre os controles internos específicos para a prevenção e combate dos crimes de “lavagem” ou ocultação de bens, direitos e valores, ou os crimes que com eles possam relacionar-se, o acompanhamento das operações realizadas e as propostas de operações com pessoas politicamente expostas, bem como a prevenção e coibição do financiamento ao terrorismo; e a Carta-Circular 001/2016 – Susep-CGFIS, que comunicou ao mercado o início da vigência, no dia 18 de janeiro de 2016, da Lei 13.170/15.

No final de 2014, foi criado ainda o Comitê Permanente de Prevenção à Lavagem de Dinheiro e Coibição ao Financiamento do Terrorismo nos Mercados de Seguros, Resseguros, Capitalização e Previdência Privada Aberta (CPLD).

De acordo com deliberação da Susep, o CPLD é um organismo deliberativo, de caráter permanente, e que trata de todos os assuntos relacionados ao combate e prevenção à lavagem de dinheiro e coibição ao financiamento do terrorismo.